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Alexandre de Moraes pode ser alvo e investigador ao mesmo tempo?

Juristas se dividem sobre impedimento de ministro — e questão pode ser levada ao plenário do STF.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, emerge como um alvo de importância significativa na suposta trama golpista articulada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus correligionários com o propósito de obstruir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), conforme apurado pela Polícia Federal (PF).

As investigações indicam que os suspeitos elaboraram uma minuta de golpe que incluía a prisão de Moraes, além de monitorarem seus deslocamentos. As supostas intenções criminosas voltadas ao ministro suscitam questionamentos acerca de possíveis impedimentos para sua permanência como juiz no caso.

Na quinta-feira (8/1), uma operação autorizada pelo ministro impactou Bolsonaro e ex-membros de seu governo, culminando na apreensão do passaporte do ex-presidente.

Juristas consultados pela BBC News Brasil expressam opiniões divergentes. Alguns sustentam que o fato de Moraes estar no alvo da suposta organização criminosa comprometeria sua imparcialidade na tomada de decisões no caso. Outros ponderam que a “vítima” dos crimes em investigação não é o ministro, mas sim o Estado Democrático de Direito. Dessa forma, Moraes não seria considerado juridicamente uma parte direta interessada no caso.

Enquanto a discussão sobre impedimento divide opiniões, os juristas concordam na crítica à decisão de Moraes de restringir a comunicação entre os advogados dos investigados. Na decisão que autorizou a operação Tempus Veritatis (hora da verdade, em latim) contra Bolsonaro e ex-integrantes de seu governo, o ministro proibiu os investigados de se comunicarem, “inclusive por meio de seus advogados”. Segundo Moraes, essa medida seria “necessária para garantia da regular colheita de provas durante a investigação, sem que haja interferência no processo investigativo por parte dos mencionados investigados, como já determinei em inúmeras investigações semelhantes”.

Entretanto, os juristas entrevistados consideram essa decisão inconstitucional e uma violação ao direito à ampla defesa. “Advogados ficarem proibidos de falar é um absurdo completo, inclusive porque advogados têm o direito de combinar estratégias de defesas”, afirma o professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) João Pedro Pádua. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apresentou uma petição na sexta-feira (9/2) ao STF solicitando que a proibição seja revertida. “A ampla defesa não se faz presente quando desrespeitada e limitada a comunicação entre advogados e investigados, sendo inadmissível num Estado Democrático de Direito que garantias não sejam observadas em nome de uma maior eficácia de coerção e repressão”, diz a OAB na petição.

‘Não existe impedimento’, diz STF

Indagado por meio de sua assessoria no STF, Moraes optou por não comentar as críticas relacionadas às restrições impostas aos advogados.

Quanto ao questionamento acerca de sua imparcialidade para julgar o caso, a assessoria da Corte emitiu uma manifestação negando qualquer motivo para impedimento ou suspeição do ministro. Alegou-se que o Código de Processo Penal (CPP) exclui qualquer suspeição ou impedimento quando ameaças ou coações são direcionadas ao juiz que já conduz o inquérito ou processo. Destacou-se que o ministro Alexandre de Moraes continuará como relator de todas as investigações e processos relacionados ao dia 8/1, referente aos atos antidemocráticos de janeiro, quando bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos três poderes.

A manifestação ressaltou que o suposto impedimento do ministro já foi levantado ao longo das investigações relacionadas à operação desta quinta-feira por diversos suspeitos ou réus e afastado pelo Plenário do STF.

Especialistas em Direito, ouvidos pela BBC News Brasil, questionam o argumento apresentado pelo Supremo. A advogada criminalista Marina Coelho, conselheira do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), argumenta que a regra do CPP citada na manifestação não se aplica para afastar o impedimento de Moraes, pois trata de ameaças feitas contra juízes quando o inquérito ou processo já foi iniciado.

O artigo 256 do CPP estabelece que “a suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la”, buscando impedir que réus ou investigados tentem afastar intencionalmente o magistrado do caso. No entanto, no caso da investigação da suposta tentativa de golpe, as ações dos suspeitos contra Moraes, como monitoramento e plano para prendê-lo, ocorreram antes do início da investigação sobre o suposto golpe de Estado.

Marina Coelho argumenta que, na regra de processo penal, o juiz que é vítima e tem interesse direto na causa não pode julgar, perdendo a imparcialidade. A avaliação é de que Moraes está envolvido diretamente nessas questões como uma vítima, uma vez que as ações investigadas foram contra a Democracia, e ele, como parte da Democracia exercida, foi diretamente colocado como alguém que deveria ser removido do circuito.

Além disso, ela destaca que o argumento usado pela manifestação do STF, de que as ameaças teriam sido feitas durante o curso do inquérito, reflete uma controvérsia mais antiga sobre a atuação do ministro. Isso diz respeito aos sucessivos desdobramentos de inquéritos que geram novas investigações mantidas no gabinete de Moraes, alegando-se conexão entre os crimes investigados.

A decisão que autorizou a operação Tempus Veritatis faz parte do inquérito 4874, das Milícias Digitais, aberto em julho de 2021 para investigar uma organização criminosa voltada a atentar contra a Democracia e o Estado de Direito no país. Outras investigações, como a aberta em 2023 para apurar falsificações em cartões de vacinação de Bolsonaro e aliados, foram mantidas no gabinete de Moraes, sob o argumento de conexão com o inquérito das Milícias Digitais.

Diante disso, especialistas em Direito, como o professor João Pedro Pádua, questionam esses sucessivos desdobramentos de uma mesma investigação, argumentando que isso não é suficiente para afastar a hipótese de impedimento de Moraes. Ele ressalta que o inquérito 4874 já está instaurado há muito tempo, sendo um inquérito que investiga diversos aspectos. Pádua critica a concentração de inquéritos no gabinete de Moraes, afirmando que, em uma Democracia frágil como a do Brasil, qualquer conjunto de decisões que enfraqueça a autoridade simbólica de um órgão é perigoso.

‘Questão complexa’ deve ser levada ao plenário do STF

O magistrado e docente de processo penal na Universidade de São Paulo (USP), Guilherme Madeira, pondera que a questão do possível impedimento de Alexandre de Moraes no caso em questão é complexa e demandará uma decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), visto que é esperado que a defesa de um dos investigados questione a imparcialidade do ministro.

Em sua análise, Madeira destaca que, uma vez que a investigação aborda crimes contra o Estado Democrático de Direito e não especificamente contra Moraes, não seria preciso afirmar que o ministro Alexandre é simultaneamente vítima e julgador.

Além disso, ele argumenta que declarar Moraes impedido nessa investigação poderia funcionar como um estímulo para mais ataques aos ministros da Corte. Madeira ressalta a falta de previsão para situações como essa nas legislações subsequentes à Constituição de 1988, afirmando que há um vácuo normativo sobre o que fazer em casos de ameaças aos ministros do STF.

Diante desse cenário, o professor questiona se afastar os ministros que eventualmente tenham sido ameaçados seria a abordagem adequada, considerando que isso poderia induzir outras pessoas a praticarem atos semelhantes contra os demais ministros, ou se permitir que essas pessoas sejam julgadas pelos próprios ministros seria a opção mais apropriada.

A professora de direito constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Estefânia Barboza, destaca que Moraes não é o único ministro do STF citado como alvo dos investigados. Os suspeitos, segundo a Polícia Federal, também teriam cogitado a prisão de Gilmar Mendes, e colocado Luís Roberto Barroso e Edson Fachin como seus inimigos. Essa multiplicidade de ministros citados, na visão dela, torna ainda mais complexa a ideia de considerar os ministros impedidos.

Ela questiona como seria possível afastar quatro ministros da Suprema Corte desse caso, especialmente considerando que um futuro julgamento desse caso será colegiado, implicando que quatro ministros não apenas não poderiam relatar, mas também não poderiam participar do julgamento.

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