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As apostas (e os riscos) de Bolsonaro ao convocar protesto em São Paulo

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) convocou um protesto na avenida Paulista neste domingo (25/2) em meio ao avanço das investigações da Polícia Federal sobre suposto plano de golpe de Estado.

O ex-presidente Jair Bolsonaro convocou uma manifestação na cidade de São Paulo no próximo domingo (25/2), em meio às investigações conduzidas pela Polícia Federal sobre um suposto plano de golpe de Estado após as eleições que resultaram na vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta quinta-feira (22/2), Bolsonaro deve prestar depoimento à PF, junto com outros investigados, incluindo o general Walter Braga Netto e o general Augusto Heleno. Bolsonaro afirmou que permanecerá em silêncio durante o depoimento e solicitou dispensa, mas o pedido foi negado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito.

Em um vídeo nas redes sociais, Bolsonaro pediu que seus apoiadores realizem um ato “sério, disciplinado e pacífico” no domingo, restringindo a movimentação apenas à capital paulista. O propósito do protesto, segundo ele, é defender “nosso Estado democrático de direito e nossa liberdade”. Bolsonaro solicitou que os manifestantes evitem levar faixas contra “quem quer que seja”.

Cientistas políticos avaliam o protesto como uma “grande aposta de Bolsonaro” para demonstrar força política, apesar de sua inelegibilidade até 2030. O impacto da manifestação dependerá do número de participantes na Avenida Paulista, onde ocorrerá o ato, e da presença de outros nomes relevantes da política, como governadores e congressistas.

A participação de políticos alinhados à ideologia de direita tem sido um dos elementos que tem mobilizado a base bolsonarista nos últimos dias.

Dentre os líderes confirmados, destacam-se o governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), este último buscando a simpatia da parcela conservadora do eleitorado para sua possível reeleição nas eleições municipais deste ano.

Conforme um levantamento do portal Poder 360, até o sábado (17/2), três governadores e 93 congressistas já haviam formalizado a confirmação de presença no evento.

Além de Tarcísio, os governadores Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, manifestaram a intenção de participar do ato na Avenida Paulista.

O ex-secretário de comunicação e atual advogado do ex-presidente Bolsonaro, Fabio Wajngarten, utilizou a rede social X (ex-Twitter) para expressar a sugestão de convidar o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine, salientando que este seria “muito bem recebido e acolhido”. Essa iniciativa é interpretada por analistas como uma tentativa de capitalizar a crise gerada por Lula com Israel para amplificar a manifestação.

O movimento também conta com o respaldo financeiro e a presença do pastor Silas Malafaia, líder da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo e conhecido apoiador de Bolsonaro.

Em um vídeo divulgado no domingo (18/2), Malafaia exortou seus seguidores a orarem e jejuarem por 12 horas “em prol da nossa nação” no dia do depoimento de Bolsonaro à Polícia Federal.

Em uma entrevista concedida à revista Veja, o pastor solicitou aos participantes da manifestação que evitassem levar faixas contrárias a autoridades políticas ou membros do Supremo Tribunal Federal (STF), prática recorrente em eventos bolsonaristas.

“Em toda manifestação, há alguns alienados, radicais com os quais não concordamos, que levam faixas pedindo o fechamento do STF, do Congresso. A imprensa, então, tira fotos e classifica como ato antidemocrático”, destacou o pastor, que financiará a contratação do trio elétrico no qual o ex-presidente e outros políticos discursarão.

“Por isso, decidimos que ninguém levará faixas. Caso alguém apareça com uma faixa, saibam que não tem qualquer relação com Bolsonaro.”

Grande aposta de Bolsonaro

Uma pesquisa recente realizada pelo Instituto AtlasIntel, divulgada no início deste mês, revela que 42,2% dos participantes acreditam que as “investigações contra Bolsonaro constituem uma perseguição política”. Em contrapartida, 40,5% não compartilham dessa percepção.

Outro levantamento conduzido pelo mesmo instituto indicou que 57% dos entrevistados acreditam que Lula efetivamente venceu as eleições de 2022, contradizendo a narrativa bolsonarista de fraude no pleito – uma alegação que nunca foi comprovada.

O cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), observa que Bolsonaro tende a convocar manifestações quando se encontra em situações de vulnerabilidade. Ele antecipa que o ato pode não atrair uma quantidade expressiva de participantes, uma vez que Bolsonaro não detém mais a presidência.

Praça destaca que, além do número de manifestantes, o aspecto crucial será identificar quem estará ao lado de Bolsonaro no palanque. Ele enfatiza que o propósito principal do protesto é avaliar a sua força entre os profissionais da política, sendo mais benéfico para Bolsonaro caso conte com a presença de parlamentares e governadores.

Geraldo Tadeu Monteiro, cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), analisa que a manifestação de domingo representa uma “grande aposta” de Bolsonaro para demonstrar sua força e tornar as investigações e decisões judiciais mais “custosas”.

Monteiro pondera sobre a eficácia do bolsonarismo em mobilizar apoiadores e enchê-las ruas contra o que consideram perseguição política. Ele destaca que, se o protesto for bem-sucedido em termos de participação, Bolsonaro poderá reforçar sua capacidade de agregar forças conservadoras.

O cientista político ressalta que, mesmo inelegível, Bolsonaro pode continuar sendo uma influência eleitoral significativa nas eleições municipais deste ano, caso o protesto de domingo conte com uma presença expressiva de público. No entanto, se o ato for de pequena proporção, Bolsonaro perderia relevância eleitoral.

Em resposta à organização do ato, o diretório do PT em São Paulo apresentou uma representação ao Ministério Público Eleitoral (MPE) do Estado, argumentando que o evento poderia desencadear uma situação semelhante ao ocorrido em 8 de janeiro, quando apoiadores radicais de Bolsonaro atacaram as sedes dos Três Poderes. O PT solicita esclarecimentos sobre os protocolos e o contingente policial, além de investigação sobre financiamento irregular e possíveis ilícitos eleitorais.

Simultaneamente, PT, grupo Prerrogativas, movimentos como MST, UNE, MTST e outros partidos têm organizado um ato próprio para março, visando responder à manutenção da estratégia golpista.

Bolsonaro investigado

A manifestação deste domingo ocorre em meio a uma série de investigações relacionadas a Bolsonaro e sua família, incluindo uma apuração sobre um suposto esquema de negociação irregular de joias recebidas por delegações estrangeiras destinadas à Presidência da República.

O evento também se desenrola duas semanas após a operação Tempus Veritatis, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, que teve Bolsonaro como alvo, juntamente com membros de seu círculo político e militares supostamente envolvidos em uma trama golpista.

A referida operação investiga uma organização acusada de “tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito” nos períodos que antecederam e seguiram as eleições presidenciais de 2022, visando garantir a “manutenção do então presidente da República (Jair Bolsonaro) no poder”.

Quatro indivíduos foram detidos durante a operação: Filipe Martins, ex-assessor especial da Presidência; o coronel do Exército Marcelo Câmara; Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército; e o coronel Bernardo Romão Corrêa.

Segundo a decisão de Alexandre de Moraes, a Polícia Federal obteve evidências de que:

  • Bolsonaro teria participado na elaboração de uma minuta de decreto com medidas para impedir a posse de Lula e mantê-lo no poder;
  • Militares teriam organizado manifestações contra o resultado das eleições e atuado para garantir a segurança dos manifestantes;
  • O grupo em torno de Bolsonaro teria monitorado os passos de Moraes, incluindo o acesso antecipado à sua agenda.

Por ordem judicial, Bolsonaro teve seu passaporte apreendido e está proibido de entrar em contato com outros investigados.

Em um vídeo divulgado nas redes sociais em 9 de fevereiro, Paulo Cunha Bueno, advogado do ex-presidente, negou que qualquer documento apreendido durante a operação da PF implique o ex-presidente em envolvimento em um “golpe de Estado”.

Na quarta-feira, Bolsonaro reiterou que está sendo alvo de “perseguição política” em entrevista à rádio CBN Recife, questionando os rumos das ações contra ele.

Manifestações em série

Não é a primeira vez que Bolsonaro convoca manifestações em seu apoio em um momento em que sua relação com o Judiciário encontra-se tensa.

No período de 2019 a 2022, durante seu mandato presidencial, ocorreram uma série de protestos pró-governo com críticas ao Judiciário, mesmo em meio à pandemia de covid-19.

Em 7 de setembro de 2021, por exemplo, Bolsonaro declarou, também na avenida Paulista, que não mais acataria decisões proferidas por Alexandre de Moraes.

“Afirmo a vocês que, qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais”, proferiu em seu discurso.

Dois dias após, frente à repercussão negativa e aconselhado pelo ex-presidente Michel Temer, Bolsonaro divulgou uma “Declaração à Nação” na qual afirmava não ter “intenção de agredir quaisquer dos poderes” e que “as pessoas que exercem o poder não têm o direito de ‘esticar a corda’, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia”.

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