Economia

Censo 2022: Um quarto da população ainda está sem saneamento no Brasil

Segundo o IBGE, quase 50 milhões de brasileiros sofrem com a falta de esgoto. Dados expõem as desigualdades regionais e de cor

Aproximadamente 49 milhões de cidadãos brasileiros ainda residem em localidades desprovidas de sistemas adequados de coleta de esgoto. Adicionalmente, 4,8 milhões de indivíduos enfrentam a ausência de acesso a abastecimento de água encanada, enquanto 1,18 milhão de compatriotas carecem de instalações sanitárias básicas, incluindo a inexistência de banheiros. Essas estatísticas integram um novo segmento do Censo Demográfico de 2022, apresentado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A significativa disparidade de acesso ao saneamento com base na cor ou raça evidencia as profundas desigualdades sociais e raciais existentes. No que tange à população de ascendência branca, 83,5% desfrutam de sistema de rede coletora de esgoto em suas residências, em contraste com a proporção de 75% entre os indivíduos de origem preta ou parda. Em 3.505 municípios, dentre um total de 5.570 no país, menos da metade dos habitantes reside em domicílios providos de coleta de esgoto. São 39 milhões de pessoas que se veem compelidas a utilizar fossas rudimentares ou locais improvisados para o descarte de seus resíduos, enquanto mais de 4 milhões têm rios, lagos ou o mar como destino final de seus dejetos. O restante é despejado em valas ou em outras formas não especificadas de locais de descarte.

Conforme apontado pelo analista responsável pela pesquisa, Bruno Perez, no contexto dos componentes que integram o conjunto de serviços de saneamento básico, a coleta de esgoto destaca-se como o aspecto mais desafiador, exigindo uma infraestrutura de custo mais elevado em comparação com os demais serviços. O Censo de 2022 reflete essa complexidade, revelando uma expansão do sistema de esgotamento sanitário no território brasileiro, contudo, com uma cobertura ainda inferior à distribuição de água e à coleta de resíduos sólidos, como explanado por Perez.

Apesar do panorama desfavorável, o país tem experimentado melhorias na abrangência dos serviços de saneamento ao longo das últimas décadas. Em 2010, 64,5% da população detinha acesso ao esgotamento sanitário, e esse índice elevou-se para 75,7% em 2022. Adicionalmente, pela primeira vez, a região Nordeste apresentou uma taxa de saneamento adequado superior a 50%, registrando um aumento de 43,2% para 58,1%.

Tal progresso é atribuído por especialistas a fatores como o aumento dos investimentos privados, impulsionados pelas privatizações, além do incremento na alocação de recursos públicos e a elevação da renda da população. Entretanto, salienta-se que tais estatísticas ainda não alcançaram as metas preconizadas pelo Marco do Saneamento, aprovado em 2020, conforme destacado por Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil.

grafico saneamento

“Em um período de 12 anos, observou-se um aumento de 10 pontos percentuais na cobertura de coleta e tratamento de esgoto. Tal incremento equivale a uma taxa média inferior a 1% ao ano. Projetando essa tendência para o futuro, constata-se que seria necessário um período superior a 30 anos para alcançar a marca de 90% de coleta e tratamento de esgoto. Este prazo estende-se para além do estabelecido pelo Marco Legal, o qual preconiza a consecução dessa meta até o ano de 2033, ou seja, em um intervalo de nove anos a partir do presente momento”, ressaltou o analista.

Apesar da melhoria nos índices em todas as categorias em comparação com o último Censo realizado em 2010, os dados revelam uma notória disparidade social entre os cidadãos brasileiros, evidenciada pela região geográfica de residência, cor da pele e faixa etária.

Os indivíduos de ascendência amarela, seguidos pelos de origem branca, apresentam as mais elevadas proporções de domicílios com acesso a redes de serviços de saneamento básico, além de uma maior incidência de instalações sanitárias em suas residências. Por outro lado, aqueles de origem preta, parda e indígena exibem proporções substancialmente menores. A presidente do Instituto Trata Brasil enfatizou, adicionalmente, a disparidade regional, destacando que as regiões Norte e Nordeste são as mais deficitárias em termos de saneamento básico, havendo um histórico de investimentos inferiores nesses setores em comparação com o restante do país. Conforme mencionado por ela, nessas localidades, métodos alternativos, como o uso de caminhões-pipa, são comumente empregados, representando considerável risco à saúde.

Leane Almeida, de 28 anos e mãe de duas crianças, residente na Cidade Estrutural (DF), compartilhou as dificuldades enfrentadas para proteger seus filhos dos impactos do inadequado saneamento. Afirmou: “Procuramos cobrir da melhor forma possível para evitar exposição ao ambiente, especialmente por causa das crianças”. A falta de infraestrutura de saneamento básico está intrinsecamente associada à propagação de doenças, constituindo-se como um grave problema de saúde pública.

Cleide Machado Santos, com 34 anos e residente no mesmo bairro, manifesta apreensão em relação à saúde de seus filhos, especialmente diante da epidemia de casos de dengue. Ela compartilha sua preocupação: “Eu moro em frente a uma poça, esse é o maior medo que eu tenho agora, porque eu tenho cinco filhos”. A moradora descreve como obtém acesso à água, recorrendo a métodos improvisados: “É sempre assim. A gente puxa um ‘gato’ dali, um ‘gato’ daqui e vive assim. Não tem água encanada, e quando chove é assim. Enche de água até dentro da minha casa.”

Segundo Augusto Neves Dal Pozzo, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (IBEJI), os dados apresentados pelo Censo reiteram o que outras pesquisas e indicadores já corroboravam: “É imperativo confrontar com audácia e urgência a questão do acesso ao saneamento básico. Sem essa abordagem, os estratos populacionais mais desfavorecidos e necessitados não têm assegurados os seus direitos fundamentais, conforme garantidos pela Constituição.”

O especialista elencou algumas barreiras que impedem a ampliação do saneamento para a maioria da população. Ele afirmou: “Não raramente deparamo-nos com editais de concessão de serviços de saneamento que estão desconectados da realidade.”

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